É fato que temos no Brasil uma das matrizes elétricas de geração de energia mais limpas do mundo. Mais de 80% da energia elétrica produzida no país é proveniente de fontes renováveis enquanto nos outros países da OCDE ficam na faixa de 24%, tendo a fonte hídrica a maior participação com cerca de 65%, a eólica com 9%, a Biomassa com 8% e a solar fotovoltaica com menos de 1,5%. O restante são térmicas a gás, a óleo diesel, a carvão mineral e nuclear, ditas não renováveis, representando cerca de 16,5%.
Ainda assim, a conta não cai na ponta para o consumidor de energia elétrica, grande parte influenciada pelos impostos (ICMS, PIS, Cofins), Serviços de Iluminação Pública, Encargos Setoriais, Subsídios que custeiam dentre outras coisas políticas públicas e sociais, e com as Bandeiras Tarifárias. Dependendo da situação isso tudo pode representar cerca de 40 a 50% da nossa conta, dependendo da alíquota de ICMS e da cor da bandeira tarifária vigente. Somos o país da energia barata e da conta cara. Em Mato Grosso nos últimos três anos (2018 a 2020) o reajuste médio acumulado das tarifas de energia elétrica foi cerca de 27,7%, calculado e aplicado pela Aneel-Agência Nacional de Energia Elétrica seguindo a metodologia do sistema tarifário em vigor, bem descolado do índice inflacionário acumulado no período que foi cerca de 11%.
E mais, sem poder de escolha de qual empresa habilitada vamos adquirir a energia que precisamos. Somos cerca de 84 milhões de consumidores do mercado regulado ou cativo que somente podem comprar das distribuidoras de energia locais, sem a liberdade de escolha e condições pré-estabelecidas em contrato como preço, prazo, índice de reajuste e etc. Atualmente só grandes consumidores acima de 500 kW de demanda contratada em cada unidade consumidora ou reunindo várias unidades com mesmo CNPJ podem adquirir sua energia renovável no mercado livre com descontos que vão de 20 a 30%. O modelo tarifário atual está esgotado. Todos os riscos e custos inerentes da cadeia do setor elétrico sempre recaem para os consumidores regulados ou cativos.
A Abraceel-Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica lançou em 2019 um Ranking Internacional de Liberdade de Energia Elétrica: o estudo mostra o quanto a população de cada país pode escolher livremente o fornecedor de eletricidade. Este levantamento conta com a participação de 56 países, no qual 62,5% já tornaram livre a escolha para 100% da população, liderado por Japão, Alemanha, Coréia do Sul, França e Reino Unido. O Brasil na 55º posição possui uma liberdade muito restrita somente a grandes consumidores. É preciso urgentemente ampliar o mercado para toda a população e alocar de forma justa os custos e riscos para toda a cadeia do setor elétrico desde a geração, transmissão, distribuição, comercialização, consumidor e governo. Neste cenário, as atividades de comercialização e energia seriam separadas e as distribuidoras seriam remuneradas pelo “fio” ou uso das redes/infra estrutura de ativos para a energia chegar até os consumidores. O PLS 232 em tramitação no Senado prevê dentre outras coisas a abertura do mercado dentro de três anos. Concorrência já e o consumidor agradece!
Uma fonte que pode ajudar a reduzir custos com a energia e diversificar a matriz de geração do país é a energia solar fotovoltaica que vem ganhando força no país desde 2012 para cá, mas estamos ainda muito atrasados em relação ao mundo. Temos cerca de 7,5 GW(Giga Watts) de potência instalada entre grandes usinas centralizadas e de micro/minigeração distribuída. Na Europa, especificamente na Alemanha, na década de 90 já se tinha no radar o desenvolvimento dessa fonte surgindo na ocasião a meta de instalação em mil telhados. Atualmente a Alemanha já tem mais de 50 GW, o Japão mais de 60, os EUA mais de 75, a Índia com mais de 40 e pasmem, a China com mais de 205 GW. A China possue somente em energia solar mais que toda a matriz de geração do Brasil reunindo diversas fontes que é de 174,7 GW.
Inicialmente no Brasil por volta de 2012 quando a Aneel editou a Resolução 482 sobre micro e minigeração distribuída no sistema “net metering” (compensação de créditos e a rede da distribuidora como uma bateria virtual), o uso da energia solar enfrentava questões culturais, de tributação, além da falta de incentivo e o apelo para sua utilização se justificava mais pelo viés da sustentabilidade. Atualmente, essa realidade já mudou bastante, pois além da sustentabilidade, as questões sociais e econômicas como por exemplo, a geração de empregos, já figuram no centro desta discussão. Hoje creio que já podemos falar que a desconfiança e as questões culturais foram vencidas. A energia solar cria em média 30 empregos diretos para cada 1 MW (Mega Watt) instalado. Como temos cerca de 7,5 GW ou 7.500 MW instalados já são mais de 220 mil empregos criados e mais de R$ 38 bilhões investidos pela iniciativa privada.
As possibilidades envolvendo as energias renováveis e principalmente a energia solar fotovoltaica são enormes, pois o Sol está aí todos os dias, sem ruídos, sem poluição e sem custos ou danos ao meio ambiente. A energia 4.0 está na pauta. E Inovação parece ser o caminho sem volta. As alterações no modelo atual em análise pela Aneel e com vários projetos tramitando no Congresso Nacional criam incertezas e é preciso estabelecer um marco legal para a geração distribuída urgentemente, mas que seja justo e leve em consideração todos os reais atributos e benefícios dessa geração nas várias esferas além da técnica, garantindo direitos e com regras de transição para se implementar qualquer tipo de custo pelo uso da rede ou encargo com transparência. As eventuais alterações devem buscar um equilíbrio entre as partes envolvidas no atual modelo tarifário para que seja justo para todos. Para quem não instala sua geração e para quem investe para gerar sua energia limpa e renovável. E que continue valendo a pena o investimento para quem deseja gerar sua própria energia.
Esse mercado merece e vai continuar crescendo, gerando mais empregos neste momento que o país tanto precisa, mas com um marco regulatório que dê segurança para as empresas prestadoras de serviços e para os consumidores. A tecnologia sempre “se vinga” e propicia evoluções que superam os desafios e ajudam a sociedade e o meio ambiente.
A tecnologia se vinga sim, e já percebemos isso quando temos visão e propósitos claros e contínuos. A energia 4.0 está na ordem do dia. O Armazenamento de energia está aí. Pode resolver a intermitência das fontes solares e eólicas tão colocadas por alguns setores como um problema ou desvantagem. Gerar excedente de dia e armazenar em baterias para se utilizar em horário de ponta onde a energia é absurdamente mais cara já é possível e viável para consumidores que têm esse perfil. Exemplo na agricultura, na atividade de irrigação onde é possível com o armazenamento aumentar muito a produtividade. Cito a hibridização de fontes (solar mais eólica, solar com painéis flutuantes nos reservatórios das usinas hidro, nesse caso solar mais hidro, solar mais biodiesel e outros) como algumas soluções para se otimizar o uso do sistema elétrico de transmissão e a geração de energia.
Ou seja, todos estes elementos precisam se unir em soluções integradas, sistêmicas com resultados que beneficiem e ajudem a sociedade nos seus novos desafios a cada dia. Temos que falar da internet das coisas Iot, das cidades inteligentes e sustentáveis, das smart grids ou redes inteligentes, da mobilidade elétrica com os veículos elétricos se utilizando das fontes renováveis, especialmente a solar e também da eficiência energética com potencial gigantesco no nosso país onde a energia solar é uma forte aliada para se reduzir custos. Afinal, normalmente a conta de energia é o segundo custo nas empresas atrás do custo com pessoal.
A ideia não é que as empresas geradoras de energia lucrem pela distribuição em kWh, mas sim que o valor seja visto pelo que a energia é capaz de proporcionar à sociedade, integrando vários serviços. Tudo isso se conectando aos sistemas de energia que nesse caso também precisam conseguir suportar uma demanda muito maior, sem que isso impacte ainda mais o meio ambiente. E assim, nesse contexto de energia 4.0 integrada e distribuída, as soluções de energia solar fotovoltáica ganham grande destaque e importância.
A transição energética, já está nos nossos filhos, nas empresas e na modernização do sistema elétrico. O processo de conscientização está acontecendo. As micro redes inteligentes com solar e outras fontes podem ser implementadas em algumas situações sem ter que levar linhas de energia de grandes extensões com grandes custos aos locais mais isolados da Amazônia por exemplo para atender comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e com isto universalizar os serviços de energia elétrica. E logicamente o meio ambiente agradece!
A energia do futuro, ou energia 4D é vista como uma grande oportunidade de negócios para as próprias empresas do setor elétrico hoje concentrando seus negócios acomodados em segmentos fortemente regulados em geração, transmissão e distribuição de energia. Um outro braço de negócios com foco na energia 4D-Digitalizada, Descarbonizada, Diversificada e Descentralizada pode ser bom para todos, para o país, para as empresas, para a sociedade e o meio ambiente de novo agradece!
A geração distribuída, mas especialmente a energia solar fotovoltaica pela sua disponibilidade em todo o país com um potencial de mais de 28 mil GW reúne infinitas possibilidades para protagonizar todos esses avanços. Não se deve esquecer nunca que energia elétrica requer segurança. Por ser uma área multidisciplinar tudo tem que ser feito com muita capacitação, segurança e responsabilidade. Esses princípios devem ser respeitados e levados em conta por todos, pelos consumidores principalmente na hora de tomar decisões. O barato às vezes não é a melhor solução e escolhas equivocadas podem se voltar contra a tecnologia.
A inovação, a revolução energética é um caminho sem volta, e é para frente que se deve andar cada vez mais. A pandemia da Covid 19 nos ensinou muita coisa, aconteceram fatos que levariam anos para se tornar uma realidade como o desenvolvimento de uma vacina em tempo recorde, por exemplo, e quando falamos em energia atualmente nada é definitivo, é preciso explorar com propósitos novas possibilidades. De toda energia que a Terra recebe do Sol, nós consumimos apenas uma pequena parte. A relação entre a energia recebida e a consumida é cerca de 75 mil vezes. O amanhã pode não ser mais o suficiente, é preciso avançar e avançar cada vez mais. Por onde você anda o nosso amigo “Sol” está sempre com você, disposto a te oferecer algum tipo de solução, seja num centro urbano, seja nos locais mais distantes e isolados do país, pense nisso!
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista e Consultor em Energia, membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-Concel MT.
Leia mais – Opinião: Danos elétricos a equipamentos, o que você precisa saber!